sexta-feira, 18 de novembro de 2011

terça-feira, 27 de setembro de 2011

repentino repetido

um dia acordo
olho em volta
esfrego a vista
tremo um pouco
e mais nada
na minha vida
sou página virada

talvez foi ontem
ou na última páscoa
entre o café e o almoço

lamento um pouco

e mais nada
no meio do mundo
uma carcaça arriada

No seio do ocaso
eu embarco
de madrugada
esqueço um pouco
os últimos fatos
Me aborreço um pouco
nada que valha
me percebo morto
sentado na mesa
choro um bocado
nada que salva
minha face severa
se borra nas palavras
aqui jaz um homem
e suas asas.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

zona azul

A cidade não cala
o que calam são os olhos
testemunhas silenciosas
de tudo que quis ser.

Os carros rosnam sem parar
como sempre rangem apertadas
as costelas que amparam
meus pulmões a respirar.

As pessoas passam.
Passam depressa ou devagar.
Passam pela minha vida.
Passam sem peceber.

Que tempo é esse que não espera?
Que sonho é esse que não prospera?
Que remédio derramo nessa chaga?
Ao silêncio ofereço uma palavra.

Torpe.
Torpe.
Torpe.
É uma lembrança torpe que eu trago
ou que me trouxe até aqui.
Lembro de um passado que nunca foi meu.

A cidade não para
não há descanso depois do expediente,
braços abertos que me esperam,
ou horas vagabundas que me alimentem.

Ao soar do primeiro choro
nos lançamos urgentes
numa corrida insistente
que só finda quando encontra o chão.

Mas bendito seja o tropeço
que no ímpeto da gravidade
se choca enfim o peito
e solavanca o coração.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

de tanto mar

Tudo que eu queria
é que não houvesse diferença alguma
entre o mar e eu.

Que eu me desmanchasse em ondas
que tocam numa ponta a praia
e na outra o céu.

Que da brisa fresca
saudades não mais sentisse
porque então nós seríamos
companheiros inseparáveis
numa dança que paira
e perdura através das estações.

Quem dera mar eu fosse
e os quatro cantos tocasse
e em mim mesmo não coubessem
as ondas, as lendas e as preces.

E em tempos obscuros e mornos
em que a pressa impera e os olhos fogem
aqui mesmo, eu sou mar
na lágrima tímida e liberta
que pela minha face desce.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Ratinho de laboratório

como uns bytes de afeto pela manhã
e vou buscando mais ao longo do dia
uma parede de cristal líquido me ampara
me apartando do meu abismo interno
que este abismo também sou eu
dele me separando, de mim me descolo
me amputo a parte escura, oca e no entanto, viva
e tudo isso já foi dito

tudo o mais é um silêncio
que longe está da quietude
são mil brasas trabalhando dentro
roendo a matéria do corpo
parindo a fumaça da mente

toco a película viscosa da dor
mas míope permaneço intacto
meus olhos semiabertos
minha alma semiviva

me recolho no resvalo
que minha febre insiste teimosa
esse eu tudo é nada
que vai minguando, minguando.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

rastro

Em mim ficou o teu rastro
dizendo que aqui houve carícia
houve calor e suor à noite
houve um sussurro delicado

Em mim ficou o teu rastro
a assinatura dos teus beijos no meu corpo
o encontro dos teus dentes com a minha pele
meu sono recostado em você.

Em mim ficou o teu rastro
pedindo que voltes o quanto antes
trazendo contigo a maciez do teu abraço
e a cura bendita pra essa saudade.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Febre ao meio dia

Hoje de manhã
minha única certeza
eram umas poucas lágrimas
que pesadas, quase sólidas
caíam dos olhos.

Tudo mais era o incerto
esta sensação de que sou
a sucata do que um dia quis ser
num silêncio pousado em dor.

E um peito aceso, atento
vivo por mais um momento
quanto dura uma noite em mim?
quando um sol enfim vai surgir?

às vezes eu queria que a vida fosse uma roupa
que eu despisse vez em quando
e fosse só uma nudez
suspensa e leve

às vezes queria demolir meu coração
e começar tudo de novo

porque às vezes o desencontro pesa o tamanho
do mundo e suas razões burras

outras horas tem a asfixia dos meus medos,
que me deixam nesse vácuo de melancolia
e saudade do que nunca fui

E quando o sinal fica verde
enxugo a lágrima do queixo.
É preciso seguir.
Sim, seguir.
Há um plano,
um projeto de vida,
há contas a pagar,
trabalho a fazer,
sonhos pra deixar pra depois.
Engulo a saliva que é grossa
como o concreto que,
pouco a pouco me toma os poros,
as idéias, os olhos.
- É preciso ser um edifício sólido.
- E nunca cair em público.
- É preciso não envergonhar os seus.

Mas enquanto me debato com estas mentiras
que a mim chegaram pela inércia dos fatos
dos meus poros surge o pus
que este mundo me infecciona.

E se me chamam de romântico,
afirmando que desejo salvar o mundo
eu convido: olhem melhor!
que não é este meu intuito.

Trago comigo uma espada
pra atravessar o ventre moribundo
dos bons costumes e da ordem
que sustentam o tal mundo.

Sucumba com seus padrões
seus preceitos que só servem à castração!
Uso a lâmina da espada pra limpar meu pus
e como posso continuo a lutar

Mas não o faço sozinho
tenho a meu lado um exército
dos que insones e inquietos
vem se levantando num só grito.